terça-feira, 29 de junho de 2010

O dia em que Gottfried Benn pegou onda – de Alberto Pucheu

É preciso aprender a ficar submerso

por algum tempo. É preciso aprender.

Há dias de sol por cima da prancha,

há outros, em que tudo é caixote, vaca,

caldo. É preciso aprender a ficar submerso

por algum tempo, é preciso aprender

a persistir, a não desistir, é preciso,

é preciso aprender a ficar submerso,

é preciso aprender a ficar lá embaixo,

no círculo sem luz, no furacão de água

que o arremessa ainda mais para baixo,

onde estão os desafiadores dos limites

humanos. É preciso aprender a ficar submerso

por algum tempo, a persistir, a não desistir,

a não achar que o pulmão vai estourar,

a não achar que o estômago vai estourar,

que as veias salgadas como charque

vão estourar, que um coral vai estourar

os miolos – os seus miolos –, que você

nunca mais verá o sol por cima da água.

É preciso aprender a ficar submerso, a não

falar, a não gritar, a não querer gritar

quando a areia cuspir navalhas em seu rosto,

quando a rocha soltar britadeiras

em sua cabeça, quando seu corpo

se retorcer feito meia em máquina de lavar,

é preciso ser duro, é preciso aguentar,

é preciso persistir, é preciso não desistir.

É preciso aprender a ficar submerso

por algum tempo, é preciso aprender

a aguentar, é preciso aguentar

esperar, é preciso aguentar esperar

até se esquecer do tempo, até se esquecer

do que se espera, até se esquecer da espera,

é preciso aguentar ficar submerso

até se esquecer de que está aguentando,

é preciso aguentar ficar submerso

até que o vulcão de água, voluntarioso,

arremesse você de volta para fora dele.

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