segunda-feira, 20 de setembro de 2010

ser ou estar. não, não é ser ou não ser, essa já existe , não confundir com a minha que acabei de inventar agora. originalíssima. se eu sou, não estou porque para que eu seja é preciso que eu não esteja. mas não esteja onde? muito boa pergunta; não esteja onde. fora de mim, é lógico.
para que eu seja assim inteira (essencial e essência) é preciso que não esteja em outro lugar senão em mim.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Lesões Incompatíveis Com A Vida

Aos filhos que não vou ter.
Não quero ter filhos.
Não quero ir mais longe.
Sou uma epidemia de ressentimento
Não quero ter filhos.
É a minha maneira de protestar. O meu corpo é o meu protesto.
O meu corpo renuncia à fertilidade.
O meu corpo é o meu protesto contra a sociedade, contra a injustiça, contra o linchamento, contra a guerra.
O meu corpo é a crítica e o compromisso com a dor humana.
Quero que o meu corpo seja estéril como o meu sofrimento.
O meu corpo é o meu protesto.
O meu corpo é o meu pessimismo. Graças ao pessimismo posso fazer-me perguntas. Alguém tem de ficar em metade dos homens fazendo-se perguntas, alguém tem de ficar em metade da esperança fazendo-se perguntas. Alguém tem de ficar como um idiota. Alguém tem de ficar como excremento e fracassar definitivamente. A ausência de filhos ajuda-me a ser excremento e a fracassar. Os adultos saltam por cima do meu ventre agitando os seus filhos como bandeiras como se o mal tivesse desaparecido do mundo, como se a inteligência tivesse finalmente triunfado sobre o mundo, como se fossem insígnias de um mundo melhor. Não confio num futuro melhor. As famílias comportam-se com soberba, pensando que a sua prole vai ser diferente, que os seus filhos nunca irão trair como nós fomos traídos, que os seus filhos nunca danarão nem serão danados, que os reveses da vida sem dúvida serão menores e que os seus filhos jamais serão culpados seja do que for.
O meu corpo é o meu protesto contra as grandes esperanças dos pais, contra as grandes pretensões dos pais.
Não quero passar por esse estado de estupidez transitória.
Não quero que o meu ressentimento se interrompa.
Não quero deixar de pensar na injustiça.
Não seria justo para os excluídos que deixasse de pensar na injustiça, que deixasse de condenar os privilegiados.
Porém, não conheci nenhuma criança que se convertesse num bom adulto. As crianças não se convertem em bons adultos. Eu não sou uma boa adulta. A bondade não existe. Sou má, muito má.
Talvez essa seja a razão por que não quero ser mãe.
Talvez a nós, mulheres más, nos aconteça isso, não queremos ser mães.
Nós, as mulheres más, sem instinto maternal, pagamos o tributo de morrer sozinhas, podres, sem alegria, em frente ao televisor, em frente ao espanto, secas, rodeadas de moscas de diferentes tamanhos.
A nós, mulheres más, só nos pode acontecer a morte.
Acho bem.
Fui criança. Mas não me tornei uma boa adulta.
O papel do homem no mundo é absurdo. Navegamos de tara em tara
Quando me imagino a parir apenas consigo ver, assomando entre as minhas pernas, a cabeça grotesca de um monstro já fatigado pela imundície do universo, pelo inefável, pela mesquinhez.
O meu corpo é o meu protesto.
Não quero trazer nada ao mundo excepto o meu profundo horror pelo mundo. Depois dos desastres do século XX apenas posso sentir horror. Depois de tamanha exibição do mal, o homem já não pode redimir-se. Quem pode voltar a amar os homens? Quem pode voltar a cantar em louvor dos homens? Alguém disse que depois dos horrores do século XX não era possível continuar a escrever. A palavra tinha-se tornado absurda, insuficiente. Os filhos são como a palavra, insuficientes. Seria bom para a minha mente aceitar a insuficiência da palavra e do homem. Mas dentro de mim há um qualquer crocodilo que me impede de aceitar isso. Cada vez suporto menos a injustiça, cada vez suporto menos a maldade. O mundo está alicerçado na injustiça e no mal.
Apenas consigo protestar.
O meu corpo é o meu protesto.
Quero morrer sem ninguém, sem deixar nada para trás. É a minha maneira de me unir aos que foram exterminados, aos que sofreram sem limite.
Não quero esperança.
O meu corpo é o meu protesto.
O meu corpo é um exemplo para suicidas, um exemplo para assassinos, um exemplo para todos os que se desprezam a si próprios.
Meu maldito corpo.
Minha decisão anormal.
Chega uma altura em que a sociedade se excita, se impacienta e procria, procria porque sim, procria. Que motivos tem?
Pergunto-me: que motivos tem?
Porém, a minha decisão é anormal.
Perdão pela violência.
A minha violência verbal é a minha luta contra a violência real.
O meu corpo é o meu protesto.
O meu protesto contra os vestidos pré-mãmã.
O meu corpo, voluntariamente estéril, é o meu inconformismo.
O meu corpo é a minha falta de adaptação.
As grandes esperanças dos meus pais destruíram as minhas próprias esperanças.
O meu corpo é o meu protesto contra as grandes esperanças dos meus pais, contra as grandes e estúpidas esperanças do mundo.
O meu corpo é o meu protesto.
O meu corpo é a minha acção.
A minha decisão anormal é a minha acção.
Em resumo, a minha vida é a minha acção.
Só quero ser filha.
Comigo termina a tirania do sangue.
Não quero constituir família.
Nunca acreditaria numa instituição que é fomentada, elogiada, aclamada, inclusivamente premiada pelo poder. Não confio em todos esses governantes que se fazem fotografar com as famílias.
A fotografia de família está sempre em cima das secretárias dos presidentes, em moldura de prata, a moldura é caríssima, a família merece a moldura mais cara, o presidente merece a família mais bonita, mais sorridente, mais feliz e mais cara. A família é o mais importante. A família é o mais importante. Sem família ninguém alcança o poder. O poder e a família, sempre unidos. Repugna-me.
As fotos de família lembram-me os arrepiantes cromos paradisíacos que os padres te mostram ao mesmo tempo que te cospem orações nas orelhas.
A família e o poder.
A família e a religião.
Não posso confiar numa coisa imposta pelo poder. Não posso confiar numa coisa imposta pela religião.
Nem que fosse apenas por esse motivo devíamos negar-nos a ter filhos.
Céline disse: “ Quando alguém ama os grandes da terra, está pronto a ser convertido em carne para canhão. Pelo afecto se começa. Os que estão no alto apenas conseguem pensar no povo por interesse ou por sadismo”
Concordo.
Também disse: “Vivam os loucos e os cobardes!”
Também concordo.
Não me sinto capaz de agradar aos poderosos, aos privilegiados. Se lhes agrado estou a alimentar a obesidade e o conformismo de uma sociedade idiota, delicodoce.
É necessário que haja alguém que não queira ter filhos. É necessário para desestabilizar as consciências. É uma forma de fazer justiça.
O meu corpo é o meu protesto.
É a minha forma de fazer justiça.
O meu corpo é o meu protesto.
Não quero ter filhos.
Quero ser pobre.
Não ter filhos é uma maneira de ser pobre.
Os pobres são essas pessoas cuja morte não interessa a ninguém.
Essa é a morte que eu desejo.
Não quero ter filhos.
É uma forma de ser um pouco mais pobre.
Às vezes penso que não depende de mim.
Estou possessa de uma raiva inidentificável que me obriga a enlamear-me continuamente na dor.
De onde vem essa raiva?
A quem pertence a vontade do enfermo?
O meu corpo é o meu protesto.
O meu corpo protesta contra a minha geração.
A fraude da minha geração.
Criaram uma sociedade classista, orgulhosa, ambiciosa e brilhante
Com o suor das suas testas, brilhante.
Com o suor das suas testas, ambiciosa.
Com o suor das suas testas, orgulhosa.
Com o suor das suas testas, classista.
Apenas procuram a comodidade.
Imitam os pequenos ricos. Dizem o contrário, são muito progressistas, mas comportam-se como qualquer um da classe média.
Codiciosos, complacentes, comodistas, instalados.
Sim, reproduzem-se na comodidade.
E isso debilita as suas mentes.
As suas cabeças estão repletas de comodidade.
Pensam que as suas consciências são correctas, mas não o são. No fundo, a sua correcção é um tópico que lhes permite viver sem qualquer sentimento de culpa.
O meu corpo é o meu protesto.
Sou uma estúpida.
Sou aquela que se equivoca por pretender sentir-se perdedora e ridiculamente heróica. Acuso-me de petulância. Sou petulante por andar ao contrário do mundo. Ainda que talvez faça parte da sua inércia. Não gosto de pensar assim, mas a raiva obriga-me a isso.
Uma pobre ressentida com aspirações artísticas. Eis o que sou.
Não quero salvar-me.
Sou a pior. A pior.
Protesto com o meu corpo.
Sou um caixote de lixo cor-de-rosa.
A imundície da minha carne faz com que qualquer um que se aproxime se torne escrupuloso.
Estou consumida pela verdade.
A guerra envelhece-me
Observo a minha existência como se a minha existência fosse a de uma mosca.
Pertenço à fauna cadavérica.
Em que momento da decomposição apareço?
Há quantos dias está morto o cadáver?
O meu corpo é o protesto pelos cadáveres inocentes.
Não quero ter filhos.
Não quero mais funerais.
Quem é o responsável pela vontade de morrer de uma mulher?
A injustiça coloca espadas na cama da suicida.
Embora o meu coração tenha parado, o sangue continua a fluir pelo meu corpo para continuar a protestar.
O meu corpo é o meu protesto.
O meu corpo é a minha acção.
O meu corpo é a minha obra de arte.
A minha decisão é a minha obra de arte.
Não ter filhos é a minha obra de arte.
Não fazendo filhos, faço arte.
O cheiro a café misturado com o cheiro a peixe faz-me vomitar.
Relaciono esse cheiro com a maternidade.
E ao mesmo tempo relaciono-o com a morte.
E penso: na família tudo acontece no escuro. Não suportaria nem mais uma grama de hipocrisia.
Porque na família amamos mas também somos obrigados a amar.
Este facto origina relações tenebrosas, sem bases, que desembocam em camuflagens dolorosas.
Na família tudo acontece na escuridão.
O meu corpo é o meu protesto
Protesto contra a ausência de paixões.
Protesto contra a fraqueza e a sensatez.
Protesto contra o uso do dinheiro.
As famílias recém-constituídas trabalham para poderem comprar arcas frigoríficas maiores, carros maiores, férias mais caras porém mais insípidas.
As famílias trabalham para não perderem nem uma grama do prestígio social.
As famílias trabalham para não perderem nem uma grama de segurança.
Protesto contra o prestígio social e protesto contra a segurança.
Aqui está o meu corpo protestando, sem filhos.
As famílias trabalham arduamente para parecerem ficarem como os ricos.
Aspiram ao bem-estar total.
Em nome dos seus filhos aspiram ao bem-estar total, quer dizer, ao supérfluo.
Perderam o sentido de bem-estar.
O meu corpo protesta contra o bem-estar.
As famílias trabalham arduamente.
Aspiram à calma total.
Protesto contra a calma.
O meu corpo protesta contra a calma.
O bem-estar, a segurança, a calma.
Tudo o que os alisa.
Nada de paixões. Nada de excessos.
Trabalham para pagar o ginásio.
Para pagar a protecção enquanto trabalham.
Enquanto trabalham para pagar a protecção e o seu eterno descanso.
E o seu eterno sacrifício.
Não posso identificar-me com eles.
Não posso identificar-me com um plano de pensões.
Não.
A minha vida é patética e adolescente.
Sou uma merda.
Mas não quero ser como eles.
Tanto faz. Não é possível fazer marcha atrás.
A minha geração move-se em direcção à estabilidade, ao plano de pensões, ao restaurante caro, ao carrinho cheio de compras, move-se em direcção a um consumo sem limites.
Por detrás das suas carteiras são uma massa flácida e sem forma.
Eu não sei para onde estou a ir.
Em qualquer caso, não ter filhos dá-me força. A minha decisão dá-me força.
A minha geração move-se tanto que não tem tempo para pensar.
Utilizam quatro tópicos para pensar e vão para a cama. Tão seguros, tão estáveis.
O meu corpo protesta contra a estabilidade.
Há demasiados funcionários.
Protesto contra os funcionários.
E os funcionários protestam porque o salário não chega para comprarem um carro mais caro, um queijo mais caro, um restaurante mais caro, uns calçõezinhos mais caros, uma merda mais cara. Protestam para mudar os azulejos das paredes do quarto de banho. Protestam por isso, porque precisam de encher o carrinho de compras até à insuportabilidade.
O meu corpo protesta contra os funcionários.
A economia determina as relações afectivas.
A economia determina as minhas acções.
O meu corpo é a minha acção.
Não tenho medo da pobreza.
A minha economia determina o meu protesto.
É impossível uma relação com aqueles que nunca tiveram na vida consciência de ruína e de pobreza.
Impossível.
A ausência de consciência de ruína e de pobreza defrauda-me completamente.
Por isso protesto. O meu corpo é o meu protesto.
A pobreza é tão indesejável como a mediania.
A raiva faz-me delirar.
Que fazer para evitar esta raiva aqui dentro?
Só protesto.
O meu corpo é o meu protesto
O meu corpo é a minha acção.
A minha vida é a minha acção.
Não quero ter filhos.
Porquê?
Talvez por raiva, esta raiva, aqui dentro.
Está sempre prestes a começar uma guerra.
O mundo é maravilhoso.


(Angelica Liddell)

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Não há nada a ser esperado nem exasperado...

Caio Fernando Abreu,escreveu: “Não há nada a ser esperado nem exasperado. Será?
Não acredito muito nisso. Se não esperamos nada da vida, qual o motivo de viver? Qual o motivo de continuar dia após dia naquele seu trabalho horrível, com aquela sua família que nem você acredita haver solução, desacreditando de você mesmo. Pra quê? Pra que isso?Porque não pegamos uma arma e metemos logo a bala nas nossas cabeças?

Pura mentira! Se vivemos, esperamos algo. Esse algo pode não ser o algo que todos almejam mas ainda assim, é algo. E não deixa de ser importante! Porque é esse algo que nos impulsiona a continuar. Crermos. Termos esperança. Acreditar que nada é imutável,tudo sofre mudanças e mudanças são apenas questões de adequações,sobretudo à do pensar.Tudo muda e se muda não é igual passa a ser diferente,podendo esse diferente ser o que você almejava ou não. Conseguiu o que almejava? Ótimo,valeu a pena acreditar em alguma coisa. Se não, isso mostra que você não foi covarde,que em meio a possibilidade do negativo você se arriscou, decidiu correr riscos. E isso em momento algum deixou de ser esperançoso.

E exasperado? Somos assim. É típico do ser humano. Se esse algo que tanto almejamos não chega,nos exasperamos, nos angustiamos. E a angustia também é imprescindível na vida.Quando digo impreescindível não me refiro àquela pessoa amargurada,que está sempre cabisbaixa que provavelmente já desacreditou em tudo e apenas continua a viver por covardia,ser um morto vivo mas sim àquela que vê na angustia algo positivo,que nos momentos de tristeza é através dela consegue pensar claramente sobre as coisas mais simples da vida e através de tal sentimento conseguimos pensar melhor e nos sentirmos mais motivado pra continuar.É um ciclo: exasperamos,conseguimos, angustiamos, exasperamos, conseguimos, angustiamos...e assim vamos levando. É necessário nos angustiarmos pra que nos exasperemos com determinada situação e continuar. Esse ciclo é o que move a vida. Estamos sempre exasperados para que possamos esperar algo ou por esperarmos e aí sim nos exasperarmos. Mas um está ligado ao outro. A frase deveria ser acrescida do “como” e assim ser: “Como não esperarmos e exasperamos nada?”
E os que não esperem nada dela e nem se exasperam acreditando piamente no que o autor escreveu,por favor, abram o armário da dispensa e peguem o veneno,você provavelmente não passa de um morto vivo.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Dá pra tirar a máscara?

Sob a máscara tudo se oculta – o bem e o mal. Tanto usam máscara o Zorro e o Batman como os ladrões e os terroristas. Nós também usamos máscaras, sem elas seria impossível sobreviver. Sorrimos quando nos dão uma bofetada, choramos para obter o que pretendemos, falamos mais alto do que os outros para atemorizar, mostramos as nossas garras para paralisar quem nos ameaça, nos fingimos de manso quando tantas vezes somos brutos, engolimos sapo para segurar a nossa barra e ou a dos outros, utilizamos photoshop, manipulamos nossa imagem… O que mais? Mas não seria possível andarmos nus na rua. Sem máscara, não conseguiríamos segurar as lágrimas nem o riso, seríamos incontinentes emocionais, o que nos deixaria à mercê da predação social. A máscara é uma arma que pode ser usada para defesa ou ataque. A vida em sociedade exige máscaras. Mas, se nos descuidamos, de repente pode cair, caindo acaba revelando o que em nós não passa de fragilidade, pânico, impotência e pretensão. Dá pra tirar a sua máscara? Você conseguiria sobreviver sem ela?

Memórias

Nietzsche dizia que a memória tinha vantagens e desvantagens na vida. É certo que quem quiser viver bem, quem almejar de algum modo ser feliz, deverá provar o equilíbrio entre lembrar e esquecer. Mas o que devemos esquecer e o que devemos lembrar? Na busca de um meio-termo, mais vantajoso será guardar o que nos traz bons afetos e descartar o que nos traz maus sentimentos. Motivos para a infelicidade não faltam a quem quiser olhar para a história humana. Mas enquanto a memória histórica nos faz bem, pois nos mostra o que se passou para chegarmos até aqui, a memória pessoal faz o mesmo, mas ela só tem sentido se conectada à memória coletiva. Para poder buscar a alegria de viver é preciso olhar para a frente e reinventar a vida a cada dia. É essa invenção do presente que nos dará, no futuro, um passado do qual tenhamos prazer em lembrar… Por isso, contar histórias, fazer arte, ou seja, deixar-se levar pelas musas, continua sendo a melhor saída. A vida criativa é a única que evita o mau esquecimento e, por outro lado, a má lembrança que é o ressentimento. (Márcia Tiburi)

O dia em que Gottfried Benn pegou onda – de Alberto Pucheu

É preciso aprender a ficar submerso

por algum tempo. É preciso aprender.

Há dias de sol por cima da prancha,

há outros, em que tudo é caixote, vaca,

caldo. É preciso aprender a ficar submerso

por algum tempo, é preciso aprender

a persistir, a não desistir, é preciso,

é preciso aprender a ficar submerso,

é preciso aprender a ficar lá embaixo,

no círculo sem luz, no furacão de água

que o arremessa ainda mais para baixo,

onde estão os desafiadores dos limites

humanos. É preciso aprender a ficar submerso

por algum tempo, a persistir, a não desistir,

a não achar que o pulmão vai estourar,

a não achar que o estômago vai estourar,

que as veias salgadas como charque

vão estourar, que um coral vai estourar

os miolos – os seus miolos –, que você

nunca mais verá o sol por cima da água.

É preciso aprender a ficar submerso, a não

falar, a não gritar, a não querer gritar

quando a areia cuspir navalhas em seu rosto,

quando a rocha soltar britadeiras

em sua cabeça, quando seu corpo

se retorcer feito meia em máquina de lavar,

é preciso ser duro, é preciso aguentar,

é preciso persistir, é preciso não desistir.

É preciso aprender a ficar submerso

por algum tempo, é preciso aprender

a aguentar, é preciso aguentar

esperar, é preciso aguentar esperar

até se esquecer do tempo, até se esquecer

do que se espera, até se esquecer da espera,

é preciso aguentar ficar submerso

até se esquecer de que está aguentando,

é preciso aguentar ficar submerso

até que o vulcão de água, voluntarioso,

arremesse você de volta para fora dele.

sábado, 26 de junho de 2010

Gosto e não gosto.

“Gosta de chocolate?”
“Gosto e não gosto.Sabe?”
“Não. Explica.”
“Gosto por adorar o sabor, a sensação gostosa que me dá na hora que como e não gosto pela sensação que me dá após comer:alergia,peso na consciência e até mesmo na balança.Dessa forma gosto e não gosto.”

Assim é com você. Gosto de quando me faz rir por motivos idiotas, quando me faz ver que a resolução de algo é simples e não tão complexa como imagino,do seu beijo...em contrapartida não gosto de querer o mesmo beijo e não poder ter,não gosto de perceber que na maioria das vezes você tem razão,de me sentir insegura e, acima de tudo não gosto dessa coisa de “me sentir mais feliz ao lado de alguém”,sabe? Pode parecer idiotice, e talvez seja já que isso é algo que todas as pessoas buscam mas não gosto dessa relação de dependência do outro. Essa coisa de “você me faz feliz” . Não acredito nisso. Ninguém faz ninguém feliz e a vida não são apenas momentos de felicidade. Se a pessoa baseia a felicidade dela em cima de alguém essa pessoa será triste no momento em que por algo do destino ficar sozinha. A solidão é necessária.Alguns podem achar amedrontador ou vergonhoso mas não, é à partir dela que definimos nossa individualidade e que através dessa mesma individualidade,desse “se conhecer” é que percebemos que nós mesmos temos as respostas que necessitamos. Necessitamos saber,nos conhecer e não ouvir do outro. À partir do momento que a pessoa se conhece e para de depender do outro creio que ela consegue manter um relacionamento,porque deixa de existir a relação de dependência,sabe? Ela pára de ver as respostas da sua vida no outro e, sim nela mesma. Ou seja, ninguém faz ninguém feliz as pessoas apenas completam a felicidade das outras. Clichê,né?Mas verdade,ao menos pra mim...

Puro medo!Medo dessa perda de individualidade, de querer me tornar um quando na verdade tenho noção(e gosto do fato) de que somos dois. Medo! Maldito ou bendito medo...

terça-feira, 8 de junho de 2010

Contra nós mesmos...

Ontem se falou aqui em perdoar,esse comportamento tão importante e lindo dentro de um relacionamento. E tão complexo,como se mostrou. Pela manhã,uma amiga ligou dizendo-se tocada com o texto e afirmando que tem dificuldade na medida da tirania com ela mesma,além da extrema exigência com a retidão nas atitudes.
Fiz-lhe ver o quanto é importante perdoarmos a nós mesmos da mesma forma que o fazemos com outros,sanada a mágoa,o que muitos se esquecem,carregando culpas pela vida afora e levando pedras no bolso que tanto dificultam o caminhar e exaurem,como afirma o escritor John Shapiro.
Não se concedem a absolvição,presas ás circunstâncias por conta de seus erros que geraram maus resultados e conseqüências desastrosas em cadeia que lhes acabaram caindo sobre a cabeça atrasando a vida.
Só que cultivar essas culpas não ajuda em nada,ao contrário, estimula o ressentimento, a baixa auto-estima,a amargura, como vejo em tantas pessoas que poderiam viver mais leves e lutar pelo que realmente importa:ser feliz.
Ouvi uma vez de um antropólogo brilhante que o homem é o único animal que paga muitas vezes por um mesmo erro e passei a questionar o quanto isso é verdadeiro.E muito injusto.Depois de pagar por um erro cometido e arrepender-se de ter cometido,chega! Vamos partir para outra.E, por favor, não admitir que fiquem nos acusando de novo ou fomentando as tais culpas.
Freud fala muito em translaboração,propondo que o pré-consciente que aprisionou a pessoa no passado seja revisto com coragem e honestidade para que haja a chance de eliminar os fantasmas que voltam,recapitular as lembranças no valor de hoje e rever os conceitos do passado em nova elaboração.
Perdoar a si mesmo é muito importante.Guardar para uso próprio,no momento necessário, essa importante prerrogativa, que não só se mostra que não se trata de esquecer,mas de desconsiderar a importância do auto-prejuízo que, graças a Deus,não é mais resistência à evolução.
E que conhecendo o perdão e o perdoar,também utilizá-lo para nós, naqueles momentos tão sérios e marcantes em que percebemos que não aproveitamos a vida como deveríamos e nem desenvolvemos os talentos na medida da dádiva.
Seguir o nosso caminho com luz é sábio,na certeza de que a vida é sempre maior que a mágoa e muito mais iluminada do que a sombra do rancor ou do tormento que impomos a nós mesmos.
Não lute contra você, digo o mesmo a essa minha amiga e a todos que vivem se martirizando pelo que já passou.

(Li no jornal dia desses. A crônica é de Luiz Alca de Sant'Anna)

terça-feira, 18 de maio de 2010

"Fugalaça"




"era sempre igual.sempre a insatisfação,sempre a espera,sempre a preguiça,sempre o ócio,sempre o medo,sempre a mutilação,sempre a solidão e sempre as vozes.sempre os excessos.sempre me perdia em caminhos desconhecidos procurando razões,razões demais.sempre esperava que algo me salvasse de mim mesma,esperava demais.sempre me entregava à paralisia e à letargia,me entregava demais.sempre deixava de falar ou de fazer,calada pelas expectativas medrosas,medrosas demais.sempre me culpava pelos erros do mundo,me punia demais.sempre vagava em multidões,olhando sem ver,me sentindo sozinha,sozinha demais.sempre ouvia os sussurros berrantes das vozes na minha cabeça,prestava atenção demais.sempre me julgavam pelos excessiva,e eu tentava me provar demais.sempre demais.mas eu só estava sendo eu mesma,e este só não é nenhum excesso.este só não é demais."

sexta-feira, 30 de abril de 2010

"We are the Robots"



Acho provável hoje o meu entendimento sobre aquela frase: "Seja VOCÊ senhor de si mesmo".
Quantas e quantas vezes,nós, não nos referimos à grande população como sendo massificada, igualitária e por que não robotizada, como sendo um produto gerado pelo Sistema? Creio que não seja apenas eu que pense dessa forma; no meio literário inúmeros autores citam essa “unificação do ser”, o mesmo acontece no meio musical.Quem não lembra do clássico “The Robot” do Kraftwerk ou ainda, o Pink Floyd com seu “We don't need no education/ We dont need no thought control (...)”. É, não sou a única a ter esse pensamento-menos mal-.
É fato que a sociedade de forma geral quer nos moldar e pretende nos deixar o mais massificados possíveis.
Vocês, provavelmente devem estar se falando “mas eu não sou assim.EU sou contra o que ela dita, eu sou isso, eu sou aquilo, minhas atitudes são outras...”. Tanta justificação...tanta justificação para a auto-afirmação.
Sempre querendo acreditar em algo,sempre querendo fazer parte de algo.Podendo ser esse “algo” a favor ou contrário mas sempre querendo se integrar às pessoas de pensamentos iguais, de atitudes iguais... provavelmente daí que surgem os grupos, as tribos ou seja lá como querem chamar. O que na verdade nada mais é do que um aglomerado de gente com atitudes e pensamentos iguais. Isso já não seria uma massificação – talvez em menor número mas ainda massificado-?
Saindo do meio de tanta gente e pensando só, tentando me ver como ser único... quantas e quantas vezes NÓS mesmos não ditamos nossa própria ordem? Nós mesmos nos falamos assim “Não faça assim!”, “Faça dessa forma!”, “Não faça aquilo!”.
Quantas e quantas vezes não falamos isso? E mais, quantas e quantas vezes não nos sentimos mal por ter feito de outra maneira? (Que por sinal é ainda o nosso “eu” mas um “eu diferente”. O tal do ‘médico e o monstro’, sabem?).
Não estaríamos dessa forma sempre nos impondo algo? Sempre querendo ser o que julgamos certo?( considerando o fato que esse certo é algo relativo, dependente do momento). Dessa maneira sempre desejando o que almejamos e para isso talvez seja necessário nos privar, reprimir...É, pois é.
Seríamos então NÓS o que tanto desprezamos no outro? Sermos robôs, senão do Sistema mas de nós mesmos?

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Radiohead e Flusser: a lírica do homem máquina - Marcia Tiburi


A melancolia da sociedade tecnológica e globalizada, a perda do interesse pela existência em função da tecnologia, a resignação dos indivíduos, a denúncia do vazio da sociedade industrial, a crítica da era digital, são questões próprias da obra de Vilém Flusser e da banda Radiohead

Com Márcia Tiburi.

Palestra do módulo "Rockfilosofia", de Marcia Tiburi e Fernando Chuí

Data: 29/04
Horário: 19h
Auditório da CPFL Piratininga
Praça dos Andradas, 31
Centro
(13) 3213-6165
Programação gratuita.
Entrada por ordem de chegada, a partir de uma hora antes do evento.
Capacidade: 140 lugares
Data:
29/04/2010
Hora:
19:00

sexta-feira, 23 de abril de 2010

No ares ou no chão...

Um cara recebeu um convite profissional importante para sua área de atuação e com isso terá que deixar o Brasil por três anos,sem muita chance de retornar durante esse período.A dúvida sobre a aceitação o atormenta há dias e a decisão terá que ser tomada amanhã, no máximo,ou ele perderá a oportunidade.
Tudo isso é expresso num e-mail,um tanto tenso,em que pede ajuda,ao mesmo tempo em que informa o que deixará por aqui:a atual namorada,que diz amar muito e os dois filhos pequenos de um casamento anterior,além de toda a família,pais, irmãos etc.Está pressionado de todos os lados,já que a tal namorada,dez anos mais nova,não aceita e a ex-mulher reclama de sua presença junto aos dois garotos,numa idade em que precisam muito do pai.
Dizer que a decisão é dele não ajuda em nada e nem foi para isso que me escreveu.Puxo uma frase da poeta Cecília Meirelles quando diz “Quem sobe nos ares não fica no chão.Quem fica no chão não sobe nos ares.É uma pena que não se possa estar ao mesmo tempo em dois lugares”.
Não se colocando o chão como o concreto chato do cotidiano,nem como a prosaica realidade e nem considerando os ares,o sonho,a expressão do nosso desejo ou o prazer da aventura,mas apenas o duelo permanente entre a segurança possível e limitada embora querida e agradável como zona de conforto e a ousadia que assusta,mas oferece as chances que nos faltam ou a possibilidade da concretização de um sonho que poderá trazer novas cores ao marrom do dia-a-dia.
Escolher é sempre difícil,ainda que a direção única pra se viver a aventura existencial sem desperdiçar energias ou deixar-se conduzir. Ou escolhemos ou somos escolhidos pela dominação,pela inércia, pela mesmice e, por tabela,pela vitimidade. E na escolha, com certeza, algo sempre fica por ser vivido;aliás, a opção não feita é sempre uma incógnita em nossa vida. Eis porque não se pode falar em escolha certa, mas apenas em escolha, já que não se sabe como teria sido o outro lado, aquele não trilhado,ainda que tenha dado certo.
Ou ele sobe nos ares ou fica no chão.Não se pode ter tudo,mesmo se lamentando por não se poder usufruir dos dois lugares e tanto olhar do alto quanto apreciar a vista de baixo.Algo sempre há de ficar pelo caminho,quem sabe até como proposta de um futuro ou para acréscimo de avaliação?
Parece-me que chega a nossa hora de subir e arriscar,principalmente,quando já se conhece a terra e dela se aproveitou o que oferecia em sua fertilidade.A escolha do cara não é fácil,como não são as escolhas fortes que todos nós temos que fazer na vida.No crucial de que somos os protagonistas do nosso destino e não meros espectadores das circunstâncias comuns.
Até porque quando optamos por subir tememos não mais descer no lugar de antes.E, geralmente,não descemos mesmo.

(Li no jornal dia desses. A crônica é de Luiz Alca de Sant'Anna)

sexta-feira, 16 de abril de 2010

O egoísmo no amor.


É incrível como somos egoístas.Egoístas até na forma de amar.Por que buscamos sempre alguém parecido conosco,os mesmos gostos,os mesmos achismos,os mesmos "tudos"?Por que buscamos alguém que seja a nossa alma gêmea?Será que existe?e,se existe não se torna massante a convivência com alguém que sempre concorde conosco,que pensa e age da mesma maneira que nós?Por que ficarmos limitados apenas nas nossas próprias idéias e às pessoas que concordem com elas?
Sempre acreditei em alma gêmea,mas hoje não.Hoje busco a alma diferente.Hoje vejo o quão bom é ver no outro o que gostaríamos de ver em nós mesmos.Admirar.Me sentir completa para peencher o vazio que alguém igual a mim também não preencheria,que só o diferente possui.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Pessoas legais moram perto


Orkut às vezes me deprime um pouco,provavelmente por ver quão patéticas as pessoas podem ser- ou se mostram ser-.Isso pode ser demonstrado através de comunidades.Uma que sempre me incomodou é aquela:”pessoas legais moram longe”.Nunca concordei muito com isso mas não sabia o por quê.Dia desses parei pra pensar e talvez tenha a resposta para que tantas pessoas (777.136 membros,que crescem a cada dia) pensem dessa forma.
Já pararam pra pensar que estamos cada vez mais distantes do outro?Como se estivéssemos tão perto e tão distante ao mesmo tempo.Tão ausentes na presença.Não mostramos nosso verdadeiro “EU” às pessoas mais próximas, conversamos apenas sobre os acontecimentos do cotidiano,talvez por receio do
( pré)julgamento do outro que pode ser resumir nessa frase: “Pow,todo mundo vai me achar uma chata...” e então omitimos nossa essência(?).
Que a internet é um meio de conhecer pessoas todo mundo ta cansado de saber mas agora fazendo um paradoxo com a internet: como é mais fácil se mostrar,não?Quando não conhecemos o outro não há o receio do pré-julgamento,de todas as críticas que você pode receber...A maioria se mostra – como dizem, de corpo e alma. Durante esse processo vemos tantas semelhanças.É a partir daí que surge esse pensamento: “Ela(e) é tão legal mas infelizmente mora longe”. A tal da afinidade, que provavelmente não vemos no outro por não darmos essa oportunidade. Passa a ser um ciclo,passamos a nos aproximar tanto dessas pessoas e nos afastar ainda mais das que estão perto.
Venho por meio desse texto,propor uma mudança de pensamento, atitude: “Seja mais você”(sem medo dos pré-julgamentos), se mostre mais,se interesse mais pelo outro, porque dessa forma você também verá quantos medos,anseios, alegrias compartilham.Aí sim, você estará pronto pra dizer: “Pessoas legais moram perto”.